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Se olhares em mim verás... não sou tão má quanto pensas; apenas não sou tão corajosa como imaginas... pareço forte mais no fundo sou fraca fera porém sou bela as vezes chata mais no meu íntimo há sentimentos diversos pareço metida porém se olhares em meu semblante com seu coração verás apenas humildade calma sempre... posso até parecer solitária ... é que realmente tenho poucos amigos... a diferença é que os poucos que tenho não valem metade de um seu ... pense nisso depois me julgue lembre-se que se me julga pela aparência... sou apenas o reflexo de sua ignorância Clarice Lispector

domingo, 23 de agosto de 2009

Ensino religioso em escolas públicas pode gerar discriminação, avalia professor

Da Agência Brasil
O ensino religioso que aborda uma doutrina específica pode gerar discriminação dentro das salas de aula, segundo o sociólogo da Unesp (Universidade Estadual Paulista), José Vaidergorn. "O ensino religioso identificado com uma religião não é democrático, pode ser considerado discriminatório", disse em entrevista à Agência Brasil.

Segundo Vaidegorn, o ensino voltado para uma determinada religião pode constranger os alunos que não compartilham dessas ideias. O professor ressalta ainda a possibilidade de que, dependendo da maneira que forem ministradas, as aulas de religião podem incentivar a intolerância entre os estudantes. "Em vez da educação fazer o seu papel formador, o seu papel de suprir, dentro das suas condições, as necessidades de formação da população ela passa a ser também um campo de disputa política e doutrinária."

As aulas de religião estão previstas na Constituição de 1988. No entanto, um acordo entre o governo brasileiro e o Vaticano, em tramitação no Congresso Nacional, estabelece o ensino católico e de outras doutrinas.

O presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), Roberto Leão, contesta a justificativa apresentada na lei de que o ensino religioso é necessário para a formação do cidadão. "Não podemos considerar que a questão ética, a questão moral, o valores sejam privilégios das religiões", ressaltou. A presença do elemento religioso não faz sentido na educação pública e voltada para todos os cidadãos brasileiros, segundo ele. " A escola é pública, e a questão da fé é uma coisa íntima de cada um de nós".

Ele indicou a impossibilidade de todos os tipos de crença estarem representados no sistema de ensino religioso. Segundo ele, religiões minoritárias, como os cultos de origem afro, não teriam estrutura para estarem presentes em todos os pontos do país.

Além disso, as pessoas que não têm religião estariam completamente excluídas desse tipo de ensino, como destacou o presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), Daniel Sottomaior. "Mesmo que você conseguisse dar um ensino religioso equilibradamente entre todos os credos você ia deixar em desvantagem os arreligiosos e os ateus."

Sottomaior vê com preocupação a possibilidade de a fé se confundir com os conhecimentos transmitidos pelo sistema educacional."Como o aluno pode distinguir entre a confiabilidade dos conteúdos das aulas de geografia e matemática e o conteúdo das aulas de religião?"

Para o presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Geraldo Lyrio Rocha, a religião é parte importante no processo educacional. "Uma educação integral envolve também o aspecto da dimensão religiosa ao lado das outras dimensões da vida humana", afirmou.

Daniel Mello

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O fator mascarado

Combatido nos discursos, o preconceito ainda está muito entranhado na sociedade e nas escolas brasileiras

Filipe Jahn
Uma pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em 501 escolas públicas do país, e divulgada em junho deste ano, revelou dados preocupantes sobre o preconceito no ambiente escolar brasileiro. Das 18,5 mil pessoas entrevistadas, entre alunos, professores, funcionários e pais, 99,3% demonstram algum tipo de preconceito - étnico-racial, socioeconômico, de gênero, geração, orientação sexual ou territorial ou em relação a pessoas com algum tipo de necessidade especial.

De acordo com a pesquisa, os tipos de preconceito que apresentaram maior abrangência são aqueles relacionados a pessoas com necessidades especiais (96,5%), seguido por diferenças étnico-raciais (94,2%), e aqueles relativos a diferenças de gênero (93,5%). Além disso, assim como o preconceito, percebeu-se entre todos os públicos-alvo da pesquisa uma predisposição em manter menor proximidade em relação a determinados grupos sociais, como homossexuais, pessoas com necessidades especiais de natureza mental e ciganos.

Cláudia Vianna, professora da Faculdade de Educação da USP que pesquisa as relações de gênero e sexualidade na educação, explica que o preconceito é uma disposição afetiva que pode ou não se transformar em um ato de discriminação. Só que, no Brasil, muitas vezes o preconceito não chega a ser explicitado, ou mesmo entendido como tal. Uma das razões para tanto está no estereótipo disseminado do brasileiro brincalhão. Ofensas sobre a cor de pele ou a orientação sexual, por exemplo, são entendidas apenas como traço típico de uma personalidade nacional. "Mas certamente existe", adverte Cláudia.

Neutralidade inexistente
Apesar de, em tese, a escola dever desempenhar um "papel neutro" no processo de transmissão de valores culturais - entenda-se por neutro o fato de não privilegiar nenhum credo, cultura ou procedência - e colaborar para a superação de preconceitos, na prática ela acaba sendo um fator de reforço daqueles já existentes. Isso porque os professores e autoridades escolares reproduzem, por meio de gestos, posturas e falas, sistemas de pensamento e atitudes que são excludentes. Ou seja, os educadores fazem eco, no ambiente escolar, às imagens negativas e estereótipos entre os quais muito provavelmente foram socializados.

Há, por exemplo, casos em que professores relacionam o rendimento escolar de alunas apenas ao esforço e ao bom comportamento, sem estimular a criatividade ou o potencial para certas matérias curriculares como matemática. "Essa baixa expectativa sobre o desempenho escolar de meninas claramente contém um padrão sexista", afirma Cláudia Vianna. O cientista social Paulo Neves conta que uma pesquisa de sua autoria verificou que em alguns casos alunas recorrem à violência como forma de serem respeitadas. "Mas assim são duplamente repreendidas: por utilizarem uma forma de agressão para resolver os conflitos e por serem meninas, portanto utilizando-se de algo considerado contrário à sua natureza", revela o estudioso.

No artigo "O fracasso escolar de meninos e meninas: articulações entre gênero e raça", publicado em 2003, a também professora da Feusp e estudiosa das relações de gênero Marília de Carvalho coletou informações sobre a cor atribuída às crianças da quarta série de uma escola fundamental de São Paulo, a partir de duas percepções: a dos professores e a dos próprios alunos. Após cruzar essas informações com o índice de aproveitamento de cada estudante, constatou-se uma tendência dos professores em "embranquecer" os melhores e "escurecer" os piores.

Não que as instituições de ensino sejam as principais responsáveis pela permanência ou não de práticas discriminatórias, mas elas são parte fundamental para o entendimento e aceitação da diferença. Para exercer a função de inserir os jovens no espaço público, que é aquele em que se dá (ou, ao menos, em que deveria se dar) a aceitação da diversidade, a escola precisa se colocar de maneira firme contra as práticas preconceituosas e discriminatórias. E isso pode começar pela compreensão das relações existentes nesse ambiente, mostrando suas fissuras e contradições. "O educador deve estar preparado afetiva e intelectualmente para interferir nas situações em que os conflitos emergem", afirma Luiz Alberto Gonçalves, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O problema é que, segundo Gonçalves, a introdução do tema da diversidade nas escolas ainda é algo recente no país e muitos professores não têm formação e conhecimento para mediar apropriadamente essas situações. Só a partir dos anos 90 as políticas educacionais, por força das demandas sociais, sobretudo dos grupos excluí­dos na sociedade, foram obrigadas a reconhecer que o ambiente escolar brasileiro é pluricultural e pluriétnico.

Cortando pela raiz
Para enfrentar esses problemas, atualmente o MEC oferece cursos de formação continuada trabalhando a temática da diversidade e colocou em vigor a Lei 10.369, de 2003, que torna obrigatória a inclusão do estudo das "Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana". Só que Luiz Gonçalves entende que essas ações podem criar a expectativa de que basta introduzir mudanças no currículo escolar e o problema do preconceito estará resolvido. Para ele, é preciso mudar a postura do corpo docente frente aos conteúdos e às relações escolares, assim como é preciso haver um esforço para construir uma nova forma de fazer a educação escolar. Combater o preconceito pressupõe reconhecer o outro na sua diferença e esse reconhecimento começa no próprio docente. "Muitas crenças que foram difundidas pelos conteúdos tradicionais terão de ser questionadas e até banidas", fala.

Já Paulo Neves diz que não basta a escola desenvolver um trabalho para dias como o da consciência negra ou das mulheres se, no seu cotidiano, aqueles que pertencem a esses grupos são discriminados. Por isso, é importante elaborar um projeto político-pedagógico consistente, em que o estudo da temática esteja inserido tanto na sala de aula quanto nas horas de trabalho pedagógico coletivo. Entretanto, deve-se tomar cuidado para não haver exageros. Muitas discussões sobre as questões ou a excessiva criação de projetos acabam por prejudicar a consistência da reflexão dos envolvidos. "No fim, após passar pela escola, posso continuar acreditando nos preceitos de minha religião, por exemplo, mas não posso sair pensando que ela é a única e verdadeira", explica.
Cláudia Vianna compartilha a tese e entende que caminhar nessa direção requer o reconhecimento do conflito como pilar dos projetos coletivos. A partir daí, os professores podem promover a interação da diversidade, criando ambientes seguros para que eles e seus alunos possam questionar e refletir os valores hierarquizantes relacionados ao gênero, raça, classe social e idade, além de interferir na reprodução de estereótipos, sem medo do preconceito ou da exclusão. Vianna propõe também analisar com os alunos as atribuições e significados dominantes estudando-se os veículos da comunicação. De fato, a pesquisa da Fipe mostra que o incentivo ao acesso às mídias pode reduzir o preconceito observado entre os alunos em relação a todos os temas pesquisados.

Ainda assim, além da sala de aula, o preconceito deve ser encarado como um problema complexo, que atinge esferas diferentes. O diretor de Estudos e Acompanhamento das Vulnerabilidades do MEC, Daniel Ximenes, acredita que qualquer ato desse tipo deve ser combatido via educação, mas isso não é tarefa somente da escola. Instâncias como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal de Justiça também precisam denunciar e tomar posições. "No caso da escola, deve haver uma integração com os órgãos públicos e a comunidade ao seu redor, com iniciativas e diálogos sendo constantemente estimulados", completa.

Maus resultados
Um dos pontos mais polêmicos da pesquisa publicada pela Fipe indica que as ações discriminatórias são um fator importante para a qualidade no desempenho escolar dos alunos. Utilizando como base a Prova Brasil de 2007, chegou-se à conclusão de que existe uma correlação negativa sobre o conhecimento de ações discriminatórias e as médias dessa avaliação nas escolas. Ou seja, onde as ocorrências foram maiores, as notas tenderam a ser menores.

Paulo Neves diz que não há como medir as consequências dessas atitudes no longo prazo, mas se elas não forem rechaçadas, acabam se tornando legítimas e prejudicam não somente o ambiente e o desempenho escolar como a fase em que crianças e adolescentes estão construindo uma identidade. "Se não há uma atitude contrária, a postura é reforçada e um aluno pode entender que é normal ter o mesmo procedimento", fala.

A pesquisa mostra ainda que a ocorrência de agressões, simbólicas ou de fato, contra professores e funcionários é mais nociva ao desempenho escolar dos alunos do que onde essas ações ocorrem contra os próprios estudantes. O estudo comparou as escolas em que se tinha conhecimento desse tipo de ocorrência (designadas como bullying no estudo) contra os dois grupos, cotejando esse fator com o desempenho na Prova Brasil. A agressão contra professores e funcionários mostrou-se pior, revelando que, quando isso acontece, passa a haver uma maior desestruturação da instituição.

Luiz Gonçalves afirma que tal razão é evidente, pois os educadores sem boas condições psicológicas acabam comprometendo o conteúdo a ser ensinado. Isso também ajuda a confirmar a ideia de que o educador é um dos profissionais que mais apresentam estresse em decorrência do trabalho. Segundo dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), 30% dos afastamentos em escolas da rede pública do país são resultantes de estresse e depressão. Outra pesquisa, realizada em 2003 pelo Sindicato dos Professores de Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), apontou que a depressão atingia então um em cada quatro professores paulistas. Para 62,4% deles, a violência escolar era a causa.

Tirado do site: http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=12751