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Se olhares em mim verás... não sou tão má quanto pensas; apenas não sou tão corajosa como imaginas... pareço forte mais no fundo sou fraca fera porém sou bela as vezes chata mais no meu íntimo há sentimentos diversos pareço metida porém se olhares em meu semblante com seu coração verás apenas humildade calma sempre... posso até parecer solitária ... é que realmente tenho poucos amigos... a diferença é que os poucos que tenho não valem metade de um seu ... pense nisso depois me julgue lembre-se que se me julga pela aparência... sou apenas o reflexo de sua ignorância Clarice Lispector

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A angústia da perda da identidade na sexualidade


Com certa regularidade, pelo meu exercício profissional, deparo-me com a angústia em suas diversas manifestações e conteúdos. Nesse artigo, reporto-me à angústia que pode vir a ser desencadeada por experiências sexuais, qual seja: o medo da perda da individualidade, ou em outro termo, o medo da perda das próprias fronteiras subjetivas. Assim, a cada encontro/união sexual pode ocorrer-nos a sensação da dissolução da nossa individualidade. Entende-se aqui individualidade no sentido de "eu", uma identidade sexual definida como homem ou mulher, expressa por uma personalidade afirmada, amadurecida. A nossa individualidade surge progressivamente, por meio do nosso desenvolvimento, distinguindo-nos das outras pessoas. Trata-se também de pensarmos antropologicamente a individualidade, como sendo um dos valores da nossa cultura ocidental. Somos indivíduos, indivisíveis, e, nessa nossa condição, ocorre-nos algumas vezes a dificuldade de participação/partilha com o outro.

A respeito das possíveis dificuldades sexus femininas, a literatura fartamente comenta arte das fantasias inconscientes, as que poeriam afetar a plena satisfação sexual das mulheres¹. Escreveu-se muito também sobre a já tão desgastada discussão sobre o orgasmo clitoriano ou vaginal, que aqui nos absteremos de comentar por não se tratar do objeto da nossa reflexão.

Quanto à sexualidade masculina, convém lembrarmo-nos de Wilhelm Reich, que distingue o orgasmo da ejaculação², e Freud em Três contribuições à teoria do amor , em cuja obra, resguardada a devida distância, refere-se à impotência psíquica (que não se relaciona à impotência física) comum a alguns homens, que dissociam o sexo do amor, e assim tornam-se incapazes da felicidade sexual plena com as mulheres que amam, tendendo a depreciarem as mulheres desejadas. Num deslizamento à literatura portuguesa, temos Camilo Castelo Branco no romance Amor de salvação, que faz o seu protagonista dividir-se entre dois amores, a esposa e a amante, ilustrando bem Freud no opúsculo citado.

Percebemos que a angústia que o ato sexual pode suscitar refere-se ao quanto de entrega emocional-sexual cada sujeito se permite, pois, entregar-se ao gozo sexual é entregar-se a algo que escapa, a algo que não é apreensível por meio das palavras... Que está aquém de toda palavra (a experiência erótica é um mergulho no espaço arcaico da nossa subjetividade, espaço este anterior à linguagem). Resultante disso é a ameaça sentida pelos amantes da perda dos limites da própria individualidade pelo escambo afetivo com o outro. Afinal, foi a custo de muito sofrimento e lágrimas que se deu para cada um deles a separação da estreita união com a mãe, na passagem à condição de sujeitos. Daí o medo da dissolução da identidade diante das forças "mágico-demoníacas" do corpo, quando do entrelaçamento do corpo de um ao corpo do outro, atados que parecem estar por correntes imaginárias um ao outro, numa formação andrógina. O amor e a sexualidade transportam os amantes às regiões primitivas do ser, mobilizando experiências inconscientes, fazendo-os temer ou até mesmo desejar tal entrelaçamento, daí a fonte da angústia e da defesa de homens e mulheres na experiência do prazer sexual.
Trazemos de maneira inconsciente a saudade à vivência da não divisão. Saudades da experiência de termos sido indivisos. Pelo erotismo nos aproximamos desse estado de gozo, de plenitude. Aproximamo-nos, mas do paraíso primitivo fomos expulsos, para entrarmos no domínio da linguagem, que é a nossa condição de possibilidade, para escrevermos nossas histórias de amor e desejo ao lado de outrem.

Fonte: Revista filosofia, texto de Augusta Cristina de Souza Novaes é ex-aluna do colégio Sagrado Coração de Jesus de Belo Horizonte, é psicanalista, bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em Letras com ênfase em literaturas de Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. (novaesaugusta@ig.com.br)

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